Uma Lisboa inclusiva onde as pessoas são ouvidas

Lisboa pode ser uma cidade de inclusão, de participação verdadeiramente democrática, de força transformadora, em que os cidadãos sejam de facto ouvidos e as suas aspirações realizadas. Foi esta a Lisboa pensada e discutida num dos debates organizados pela CDU, “Pelo Direito à Cidade: pensar e construir a cidade democrática”, uma de várias iniciativas da CDU na campanha eleitoral à Câmara Municipal de Lisboa, que contou com arquitectos, urbanistas, activistas e académicos, parte de “um percurso da construção partilhada de uma cidade que se quer bela, justa e democrática”, disse João Ferreira, cabeça de lista da CDU à Câmara Municipal de Lisboa.

Esta é a cidade dos direitos, por oposição à que hoje existe: uma Lisboa que, nos últimos anos, tem resistido e lutado contra um modelo de cidade centrado nos conflitos. “O modelo que está a ser implementado pelos poderes públicos evidenciou-se num processo de extração cada vez maior de lucros da cidade. Ficou cada vez mais evidente que a cidade feita com forças externas não é uma cidade que represente as pessoas que a habitam”, disse a vereadora da CDU na CML, também arquitecta, Ana Jara. 

Conflitos entre os cidadãos e o poder (público e privado) trouxeram, contudo, a re-activação da luta e da resistência evidentes no surgimento de movimentos sociais e de cidadãos, e manifestações de carácter colectivo, associativo, cultural que geraram projectos ou combateram decisões impostas pelo actual executivo. “Com muito custo e à força, quase, foi conseguida esta pequena movimentação, expressando esse conflito e a possibilidade aberta pelas movimentações sociais da cidade: o tecido colectivo”, disse Ana Jara.

O direito à cidade

Há cada vez mais sinais dessa mobilização em Lisboa. “Há uma vontade das pessoas participarem, ainda que fundamentalmente numa lógica de resistência; há muita contestação a projectos, a avanços municipais que as pessoas estão contra”, diz Tiago Mota Saraiva, arquitecto, urbanista. Dá como exemplo o Martim Moniz neste movimento de rejeição de intenções da CML e de projectos privados. Os avanços possíveis para a cidade partem sobretudo “da construção de identidades colectivas, de base, de moradores, cooperativismo, é por aí que acho que se deve caminhar. A partir de uma estrutura e movimentos de base socialista e progressista que consigam avançar para uma solução de políticas públicas.”

Isto porque, diz o arquitecto, os “fenómenos de construção da cidade não podem ser só de resistência, porque é muito cansativo estarmos continuamente a movimentarmo-nos contra o projecto da Tapada das Necessidades, contra o projecto do Martim, Moniz. E não nos dá perspectiva de avanços. Temos cada vez mais de construir cidade a partir de baixo e conseguir construir cidade pela positiva.”

A cidade pela positiva deve criar “redes cada vez mais alargadas, sensíveis à imagem de uma cidade ou sociedade mais justa”, explica a professora Isabel Raposo, arquitecta-urbanista, docente na Faculdade de Arquitectura. Num cenário absolutamente dominado pelo neo-liberalismo, esta nova cidade tem de ser uma força de “criação de pontes no terreno com quem está a fim de contribuir para uma rede ampla que vá para além do que temos ido”, resistindo à ideia de “uma cidade capitalista e desigual”.

Isabel Raposo evoca o conceito de “direito à cidade”, do filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre que, nos anos 70, percebeu “que não eram só estruturas que determinavam o que se passava na base, mas que os movimentos sociais eram fundamentais”. O quotidiano das pessoas, “a luta de sobrevivência das famílias, dos grupos, das associações é fundamental para a mudança: ela não se faz só nos momentos de ruptura política. Faz-se na construção desse quotidiano de resistência e sobrevivência.”

Para Lurdes Pinheiro, eleita pela CDU na assembleia de Freguesia de Santa Maria Maior, activista e presidente da Associação do Património e da População de Alfama (APPA), o desgaste do conflito só pode ser combatido de duas formas: através da mobilização do colectivo e da eleição de pessoas disponíveis para escutar os cidadãos. Dando exemplos de lutas em Alfama, pelo direito à habitação, contra o projecto do Museu Judaico no Largo de São Miguel, pela defesa do património, a APPA está há mais de 30 anos a defender a população de Alfama: “Se não houver participação não conseguimos fazer cidade. É preciso que as pessoas se organizem para problemas concretos. Mas também quem a gente elege que nos ouça. E não acontece isso: ninguém nos quer ouvir. Nem o governo nem a câmara. Temos uma oportunidade nestas eleições.” O direito à cidade é o direito às pessoas serem ouvidas. “É mais difícil? É, porque há muitas opiniões. Mas é um processo muito mais claro e melhor para todos, porque assim todos foram ouvidos, independentemente da decisão que tenha saído.”

Marta Silva, gestora cultural, aplaude a emergência destes movimentos que têm surgido do território. Mas muitas das iniciativas embatem “numa luta que se relaciona com as execuções e que têm de estar ligadas às estruturas governativas da cidade”. Isto é, ainda não há uma forma de trabalhar intersectorial, diálogo entre vereações, entre departamentos: “É muito difícil pôr o urbanismo com educação, cultura com economia.” O que surge da base é quase sempre plurisectorial: “É um conjunto de pessoas e olhares sobre o comum, o bairro, a cidade, a praça. Ainda que possa existir uma preocupação com a habitação, inevitavelmente ela está ligada à saúde ou ao acesso à educação. É muito difícil separar as águas. Sinto que os nossos programas políticos ainda estão muito assentes em gavetas pouco comunicantes entre si.”

Marta Silva tem trabalhado sobretudo em áreas de Lisboa onde estes conflitos são mais evidentes, quer pela pressão dos privados, quer por intervenções da autarquia: o eixo Mouraria, Intendente, Almirante Reis. Lembra que “não há democracia sem participação. E não há participação sem inclusão”. Lisboa é uma “excelente cidade de acolhimento, só não é uma cidade de inclusão”. A gestora cultural fala da construção da cidade pela positiva, sobretudo através da cultura, mas sublinha que estamos “a anos luz de trabalhar a inclusão porque continuamos a engavetar a comunidade”.

A cidade que temos e a que queremos

Partir da cidade que existe, com os seus defeitos e os seus potenciais, para construir uma cidade nova. As cidades podem ser, diz Luis Mendes, geógrafo, “espaço de reprodução de capital, mas também espaços nevrálgicos, âncoras, para lutas, resistências, contestação.” A horizontalidade da luta só faz sentido, contudo, quando articulada com o poder político: “Os exemplos de luta concreta, pelo direito à cidade mostram que é pelo engajamento dessas horizontalidades, desse movimento associativo com as forças políticas que interessam, que gera inovação política e o sucesso da luta.”

Numa Lisboa virada para o lucro, dominada pela monocultura do turismo, que perdeu milhares de habitantes nos últimos anos, é necessário percorrer uma distância entre “a cidade que temos e a cidade que queremos”, diz João Ferreira, candidato da CDU à CML. Queremos “uma cidade diferente, que não deixe nas mãos do mercado o desenvolvimento da cidade, que seja planeada em função das necessidades e aspirações das pessoas.” Quer fazê-lo de uma forma que “não só admite como exige a participação de todos os que estão interessados em percorrer este caminho”.

Divulga e partilha

Leave a Reply